Cresci com a Marinha no seio da família, quer do lado materno, quer do lado paterno. Tive a felicidade de poder contar com a presença de todos os meus avós até à idade adulta. Esta infância fraterna proporcionou-me uma vivência maravilhosa – ouvir dos meus avós relatos que me preencheram a imaginação de uma forma muito vívida. Mérito de quem relatou os episódios vividos quer na primeira pessoa, quer pelos seus pais, meus bisavôs. Foi assim que desde cedo “naveguei”, sem nunca ter embarcado, em vários navios da nossa Armada.
A Fragata Dom Fernando II e Glória foi a minha escola de Artilharia, experiência que na verdade foi vivida pelo meu avô materno, nome de guerra “O Inglês”, que a viva voz me relatou muitas aventuras naquele e noutros navios, como a viagem até ao Reino Unido para Coroação da Rainha Isabel II, ou como quando com um extraordinário sentido de humor me contou como aprendeu o significado da expressão “escrever à família”, ou sobre a inocência de muitos daqueles que naquele tempo viam (mesmo!) a linha do equador ao contempla-la através de binóculos especialmente preparados para o efeito. Com ele, “fiz” milhares de milhas, fui a Macau, estive na Índia, vi meio mundo sentado ao seu lado, sem nunca lhe ouvir um relato sobre combate, mas aprendi a lengalenga entre cada tiro de salva: teco, teleco, teco, pepinos, não são bonecos.
Foi do lado paterno que me chegou o relato do combate naval e da ameaça dos submarinos alemães. Enquanto criança acreditava que ser afundado por um submarino alemão era rotina para qualquer marinheiro. Supunha ser banal por tão comum me parecer. Tamanho absurdo resulta de uma coincidência rara, um facto que só na adolescência se tornou claro. Só nessa altura compreendi quão incomum é ter dois familiares afundados por submarinos alemães, um em cada uma das guerras mundiais, circunstancia tanto mais improvável porque ambos os avôs de meu Pai sobreviveram: O paterno, comandava o vapor “Cassequel” em 1941, quando este foi afundado pelo U-108; O materno, membro da guarnição do NRP Augusto de Castilho em 1918, quando este foi afundado pelo U-139.
Apesar de não compreender a verdadeira importância daquilo que me estava a ser contado, ouvia sempre com muita atenção o relato da minha avó paterna sobre o feito de seu pai, o meu bisavô Acácio Alves de Moura, 2º Sargento enfermeiro da guarnição do N.R.P Augusto de Castilho, que teve a sorte e a resiliência para sobreviver não só ao combate, como também à viagem de 200 milhas a remos. Só mais tarde descobri que nesse combate desigual, o comandante do navio português morrera, não obstante as tentativas do meu bisavô para o salvar, mas que o sacrifício do navio permitira salvar outro navio português, o paquete S. Miguel.
Hoje, no nonagésimo oitavo aniversário do combate, plenamente consciente quer do feito do navio português, quer do reconhecimento pelo adversário da bravura do Primeiro-Tenente Carvalho Araújo, presto com este breve testemunho a minha modesta homenagem a todos aqueles que lutaram pela Pátria.
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